
Satus: aguardando a chegada da realeza
Aguardei, em pé no Salão, os acontecimentos daquela manhã. Meus sapatos de salto alto eram confortáveis, eu não tinha problema algum com eles, a não ser que eles me deixavam muito mais alta que as outras candidatas. Segurei minha Mini clutch preta na altura da barriga e fiquei reparando na elegância e bom gosto de algumas candidatas. Algumas pareciam bem enturmadas e conversavam como velhas amigas. Eu me perguntava onde andaria Elizabeth, eu não a vi mais desde o dia da entrevista, esperava que estivesse tudo bem e que ela não se atrasasse.
Neste ínterim, Susan apareceu, e pediu nossa atenção. Ela passou a explicar regras de etiquetas, que eu já executava automaticamente desde criança, mas para algumas meninas, parecia ser muito difícil. Mesmo assim, prestei atenção no que a professora nos ensinava, principalmente na explicação da vênia, reverência aos reis e príncipes. Aquela parte era muito importante, pois esperava-se das Ladies presentes, uma vênia leve e graciosa, mas eu treinei com Izamel e a outra criada e acho que estava preparada para cumprimentar a realeza da melhor forma possível.
Minutos depois, alguns repórteres chegaram ao salão principal, com as suas câmaras. A família Real (Rei, Rainha e os dois príncipes) chegou pouco depois. Fizemos a reverência e respirei aliviada por notar que meu corpo respondeu muito bem aos treinos da noite passada. Algumas meninas dobravam demais os joelhos ou faziam muito rápido. Uma pena, pois era um momento de passar uma impressão positiva aos nossos queridos reis e príncipes. Vi o Príncipe Aspan pela primeira vez e notei que era mais alto do que eu, quando passou por mim, eu queria me esconder, enterrar a cabeça na terra como um avestruz! Sim! Eu não era digna de estar ali, uma impostora que comia e bebia do bom e do melhor no Palácio, no lugar de uma jovem que deveria ter chorado muito por não ter tido esta chance! Uma chance que só existe uma vez na vida!
“Oh, meu Deus... o meu anjinho do posto e inscrição... talvez se eu não tivesse feito aquela inscrição ela estaria ali e o Príncipe Aspan a escolheria como esposa! Eu posso ter arruinado um amor que estava predestinado!”
Fomos então encaminhadas para uma zona de sofás que estava mesmo no centro do salão. Soube que os encontros seriam privados e ocorreriam em zonas mais sossegadas, longe das câmaras e dos repórteres.
Quando escutei meu nome, minhas pernas começaram a tremer. “Justo eu?” – pensei, seguindo o segurança que me levaria até o sofá onde o príncipe Aspan me aguardava. Lembrei da minha entrevista desastrada... o que eu diria a ele? Nunca tive um amigo em toda minha vida, nem colegas de escola, o que sei dos meninos foi adquirido com a convivência com alguns professores mais jovens, mas não se trata disso, Aspan esperava um encontro com uma garota, alguém que teoricamente estaria apaixonada por ele.
A medida que fui chegando mais perto dele eu pensava: “Céus!” Preciso contar-lhe a verdade, porque é um peso grande demais para carregar sozinha, sem Izamel aqui, a única que sabe a verdade... Entretanto... sou a primeira jovem a conversar, é certo que me escolheu para se livrar de mim logo. Era o que eu faria se fosse ele, escolheria as menos interessantes primeiro, para cumprir um rápido protocolo e depois teria mais tempo com as preferidas. É certo que as próximas o agradarão mais e logo serei eliminada, sem ter que revelar meu segredo e assim, prejudicar a minha família e a família de minha amiga.
A alguns passos de sentar no sofá, me concentrei, dedilhei mentalmente algumas notas da minha canção preferida de piano, e decidi agir com o príncipe como se fosse conhecer algum professor a me dar aulas.
Ele se levanta. Ficamos quase da mesma altura. Faço
uma reverência diante do Príncipe e o cumprimento em voz baixa e limpa:
- Como vai, Príncipe Aspan? Sou Navin Sallacieri, é uma honra estar diante de vossa alteza.
Formal demais? Bem, só aprendi a ser educada com estranhos, então era o melhor que eu podia fazer. Esperei uma reação negativa dele sobre minha voz, a qual tentei suavizar. Ele estendeu a mão pedindo a minha, lhe estendi e senti vergonha da minha mão um pouquinho grande para uma lady, com dedos longos e finos. Ele beijou rapidamente e achei aquilo muito estranho. Puxei depressa e senti vontade de limpar imediatamente na roupa, mas me contive e esperei que ele se distraísse ao sentar para faze-lo.
Aspan: - Lady Navin, é um prazer conhecê-la. Deixe-me que lhe diga que está realmente lindíssima nesse vestido azul - (Olhou Navin de alto a baixo) - Bom, não quero ofender as outras garotas, mas você é a mais linda das minhas selecionadas! Estava ansioso por conhecê-la melhor.
Engoli em seco diante da surpresa daquele elogio, que pareceu tão sincero. Observei-o melhor e notei que parecia cansado, como se não tivesse dormido bem durante dias. Não posso ver alguém precisando de ajuda que logo desperta em mim um senso de ajudar. Apesar da pouca idade e inexperiência, sempre fui uma boa ouvinte e conselheira, o contato com a natureza me moldou neste sentido, pois para escutar uma planta é preciso acionar a audição de dentro do coração. E assim é possível ajudá-la quando está prestes a morrer... “Ora essa, Aspan não é uma planta, mas é nítido pela sua palidez e cansaço que precisa de um ombro amigo e aposto como seu irmão está muito ocupado para isso, ultimamente...” Respondi-lhe:
- Obrigada! eu consigo compreender que sua ansiedade cresce a cada instante com tudo isso que está acontecendo. Mas não se preocupe, Aspan, no fim, tudo vai dar certo.
Aspan:(Suspirou) - É, eu espero que sim! Não é fácil ter de lidar com a pressão deste concurso - (Sorri timidamente) - Bom, mas fale-me um pouco sobre si! É a mais nova das selecionadas, apenas com 16 anos e tem uma voz tão diferente, é cantora?
Me acalmei e respondi:
- Por enquanto estou compondo canções no piano e tenho aulas com a fonoaudióloga. Já ando a rascunhar uma letra e quem sabe realizar uma audição, mas o que eu realmente amo é a botânica. O seu jardim é maravilhoso. Ah, e a Biblioteca... sem palavras. Puxa, estou um pouco surpresa pois você não é como dizem ser, alguém seco e um pouco rude. Perdão, mas é o que noticiam... Você é uma pessoa muito agradável de se conversar e eu garanto que sua escolhida é uma garota de muita sorte.
Logo me arrependi de ter feito tal comentário sobre sua personalidade, pois se eu soubesse disso antes, por que o escolheria...? Ele estava um pouco tenso com seu primeiro encontro com uma candidata e certamente, pouca coisa daquele dia realmente ficaria em sua mente. Aquilo certamente seria esquecido.
Aspan: (Olha para ela com um ar espantando, mas agradado) – Oh! Bom, obrigada, acho eu. Tenho pena que digam essas coisas de mim... – (Ele suspira profundamente e olha tristemente para o chão) – Sabe, não é fácil ter de ser o principe perfeito e é verdade que por vezes eu gosto de colocar uma máscara para me fazer de mais forte. E bom, não é fácil ser melhor do que Andrew, que é genuinamente bom! – (Ele olha com ternura para o irmão que está sentado do outro lado, num sofá com uma garota. E depois volta a olhar para Navin) – Ah, bom, mas que estou eu para aqui a dizer mesmo? – (Ele muda a postura e senta-se mais direito) – Ah! Sim, o jardim e a biblioteca. Eu não sou muito de leituras, mas adoro o jardim! É óptimo para quando quero escrever as minhas músicas. Tenho a certeza que com essa linda voz nós poderíamos fazer um dueto incrível! – (sorri de forma genuina).
Fiquei surpresa pelo interesse dele pelo jardim, como não gostar de alguém que gosta de jardins? Acho que eu estava me preocupando menos com o fato de ser uma mentirosa ingrata e estava gostando muito de conversar com alguém de gostos parecidos com o meu... música, natureza... eu estava me acalmando e aquela calma vinha enfeitada de emoções há muito bloqueada, tantas vezes desejei uma conversa assim com meu pai, tantas vezes desejei que ele elogiasse a minha voz ou minha beleza, mas ele nunca disse nada... nem para ofender nem para elogiar, sempre se calou, se omitiu, sempre me deixou a espera de uma opinião, de uma manifestação de sentimentos.
Eu já estava com os olhos marejados de lágrimas, quando falei:
- Sim, é como se a natureza soprasse inspiração em nossos ouvidos. Eu também me sinto assim no meu jardim. - Olhou de relance para Andrew e volto para Aspan. - Não tente ser melhor que seu irmão, seja você por inteiro e verdadeiro porque só a verdade nos torna melhores. E sabe onde aprendi isso? Agorinha mesmo, quando elogiou minha voz, pois tantas vezes fiquei triste com isso e agora estou muito feliz e orgulhosa. Cada dia aqui eu aprendo algo novo. - olhei para ele, agradecida e ao mesmo tempo, arrependida de estar enganando uma pessoa tão boa.
Aspan: (ficou momentaneamente sem palavras, ao fim de uns segundos conseguiu falar) – Bom, confesso que me apanhou meio desprevenido com essas palavras. Estou a ver que além de bonita também é uma excelente amiga, com conselhos óptimos – (Olha para Navin com admiração) – Imagino que não deve ter sido fácil para você... ter abandonado os seus amigos e a sua família para vir para a selecção...
- Você acertou. Foi a coisa mais difícil que eu fiz, mas nunca me arrependerei!
Aspan: (Nesse momento repara num homem que não pára de lhe fazer sinal sobre o tempo da conversa) – Bom, parece que já estão a fazer sinal para que terminemos. Nem me deixam conhecer as garotas em paz! – (suspira e depois ri à gargalhada)
Eu ri também e depois agradeci: - Obrigada por esse tempo, acho que nos divertimos. – falei só para não parecer antipática, mas a vontade era de ir correndo para o quarto, fazer as malas e partir do castelo imediatamente.
Aspan: - Sim, eu pelo menos diverti-me! E espero que nunca se arrependa de ter vindo para a Seleção. – (Olha para ela com ternura) – Bom – (tentou disfarçar os seus sentimentos) – Espero que nos possamos conhecer ainda melhor num outro encontro, sem tantas distracções – (olhou para o homem e depois para Navin e sorriu) – Agradeço muito o seu tempo.
- Eu que agradeço pela oportunidade, Príncipe.
Levantei, tentando disfarçar a pressa para não parecer mal-educada, fiz uma vênia e me retirei. Passei rápido pelo salão, notei que as outras candidatas cochichavam e apontavam para mim. Algumas me olhavam com ódio. Até então, eu era quase invisível e agora, como fui a primeira a conversar com o príncipe, era o alvo de fofocas.
Ainda bem que haviam candidatas ótimas para o Aspan, pois ele merecia alguém de coração tão bom quanto o dele.
Apesar da vontade imensa de correr para o quarto e ficar lá escondida até decidir o momento de partir, permaneci no salão aguardando os próximos acontecimentos.
Última modificação feita por Biblyn (01-09-2015, às 17h24)